Guia Cultural Gastronômico
Florianópolis foi a primeira cidade brasileira a ser reconhecida como Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco (Foto: Ronaldo Andrade e Marcelo Feble)
Guia recém-lançado explora tradições, personagens, técnicas e ingredientes "manezinhos"
Marcada pela influência açoriana, indígena e africana, a culinária de Florianópolis é agora tema do recém-lançado Guia Cultural Gastronômico de Florianópolis. O material gratuito reúne 200 verbetes, incluindo 20 conteúdos multimídia, que exploram as tradições, personagens, técnicas e ingredientes que moldam a identidade da primeira cidade brasileira reconhecida pela Unesco como Cidade Criativa da Gastronomia. Em uma publicação que se propõe a ir além dos pratos, o guia revela histórias e saberes transmitidos de geração em geração, trazendo a ideia de uma conexão profunda entre a gastronomia e a cultura local da Ilha da Magia.
Idealizado e produzido pelo Comida com História, o guia é obra de uma equipe de jornalistas: Leyla Spada, Amanda Santo e Gustavo Schwabe. Segundo Leyla, que é manezinha, Florianópolis foi a escolha ideal para dar início a uma série de guias gastronômicos sobre cidades brasileiras.
— Cada lugar tem uma essência e um paladar únicos. Com este guia, buscamos valorizar essas particularidades e registrar histórias que vão além do que está no prato. Florianópolis representa essa conexão especial entre terra e mar, que é a base da identidade cultural da cidade — compartilha Leyla.
O guia apresenta uma diversidade de preparos que retratam a herança cultural e o trabalho artesanal da culinária local. Entre as mais de 50 especialidades, encontram-se receitas clássicas como a sequência de camarão, as diversas preparações de tainha e o mocotó, cada uma com um lugar especial na história de Florianópolis. A equipe do Comida com História também preparou documentários e podcasts que trazem pratos tradicionais como a Dobradinha do Estreito e a Cacuanga, prato quase desaparecido na cidade.
A sequência de camarão, um símbolo da Lagoa da Conceição, surgiu nos bares e restaurantes da região, em uma época em que o local era frequentado quase exclusivamente por moradores. O prato, composto por diferentes formas de preparo do camarão, se transformou em uma das receitas mais representativas da gastronomia local, permanecendo como carro-chefe em vários cardápios da cidade. O guia traz uma revista especial dedicada a essa tradição culinária, que convida o leitor a mergulhar na história da Lagoa.
Outro clássico da mesa manezinha é a tainha e a pesca artesanal que acontece entre abril e julho, período que movimenta a cidade com festivais que celebram o consumo desse pescado. O guia lista os diversos preparos feitos com a tainha, seja assada na telha, frita, recheada ou em postas. Um destaque é a revista digital sobre a Tainha no feijão, prato que era uma das principais refeições das famílias simples da cidade.
Um prato que carrega uma longa história é o mocotó, uma sopa de pé de boi e embutidos que deu nome ao morro mais antigo de Florianópolis. Passada de geração em geração, essa receita é tradicionalmente acompanhada de arroz e pão e se relaciona à construção da Ponte Hercílio Luz, nos anos 1920, quando trabalhadores consumiam o caldo como fonte de energia. O guia oferece um podcast imersivo sobre a história do mocotó, permitindo que o público conheça mais sobre a importância desse prato na identidade gastronômica da cidade.
Além dos pratos, o guia destaca eventos e experiências que promovem a cultura manezinha, como a própria pesca da tainha. Outro exemplo bem conhecido é a Fenaostra, festa que celebra a ostra e a cultura açoriana e que reforça a conexão da cidade com a maricultura. Esses eventos são uma oportunidade para turistas e moradores vivenciarem a culinária local em meio a festividades e celebrações que mantêm viva a tradição.
Para quem busca uma experiência imersiva, o guia apresenta lugares e roteiros gastronômicos que exploram diferentes regiões da Capital, levando o visitante e o morador a conhecer locais que combinam o sabor com a história. Um dos pontos é um conhecido bar fundado na década de 1970, que se destaca como um local que resgata a essência da vida na Ilha e a cultura manezinha, sendo muito procurado pelas almôndegas, que chegam a vender 90 mil unidades por mês.
Uma das rotas gastronômicas mais famosas também está presente no guia e conta com uma revista digital, a via gastronômica de Coqueiros. Criada em 2006, atualmente conta com mais de 20 estabelecimentos desde o início do bairro até Itaguaçu. Todo o ambiente guarda histórias ligadas ao mar, à cultura e às lendas, principalmente a das bruxas.
Há um espaço reservado no guia para personagens representativos da cultura de Florianópolis, como as benzedeiras, guardiãs de conhecimentos populares sobre o uso de ervas e práticas de cura que atravessam o tempo.
Entre os utensílios históricos de destaque, pode-se conhecer a canoa de garapuvu, tradicional embarcação esculpida a partir de uma única árvore, utilizada por gerações na pesca artesanal e símbolo de resistência cultural da Ilha. Outro item importante são as gaiolas de ostra, usadas na maricultura para proteger e cultivar as ostras nas águas da cidade. Esses objetos, além de instrumentos de trabalho, integram o legado cultural e natural de Florianópolis, reforçando a relação próxima entre a comunidade e o mar.
O Guia Cultural Gastronômico de Florianópolis é o primeiro de uma série de publicações do Comida com História, que planeja expandir o projeto para outras cidades brasileiras.